O Evangelista São João e o Doutor Angélico dão-lhe lições
Catarina amava apaixonadamente a Igreja Católica e sofria vendo seus males. Suas obras externas consistiam até então em assistir os pobres e doentes e dirigir seus discípulos. Mas era chegada a hora de ela também, a exemplo do Divino Mestre, começar a sua vida pública. Para isso, recebeu ordem formal de Nosso Senhor, que lhe prometeu sustentá-la com sua graça. Que ela nada temesse.
Ora, no fim da Idade Média - período em que a gloriosa civilização cristã já decaía a olhos vistos - a Itália era um aglomerado de pequenos reinos e repúblicas que muitas vezes viviam em guerra entre si, ou guerras entre facções contrárias em uma mesma cidade. Catarina foi chamada várias vezes para ser o árbitro entre elas ou seu anjo pacificador. Assim, viajou de Siena para Florença, Lucca, Pisa e Roma como pacificadora.
"Sem nenhuma experiência política, coloca-se em face dos mais altos poderes de seu tempo. E não roga; exige, manda: 'Desejo e quero que façais desta maneira [...] Minha alma deseja que sejais assim [...] É a vontade de Deus e meu desejo [...] Fazei a vontade de Deus e a minha [...] Quero'. Assim falava à rainha de Nápoles, ao rei da França, ao tirano de Milão, aos bispos e ao Pontífice. [...] Em seu semblante há algo que intimida e seduz ao mesmo tempo".
Não é de admirar, pois, como ela mesma escreveu em uma de suas cartas, "tomei lições, como em sonhos, com o glorioso evangelista São João e com Santo Tomás de Aquino".
Florença revoltara-se contra a Santa Sé e mais de 60 cidades dos Estados Pontifícios juntaram-se a ela. O Papa lançou um interdito sobre essas localidades. Revoltas se seguiram.
Catarina entra como mediadora entre o Papa e os conjurados. Começou assim uma correspondência incessante com o Papa Gregório XI, cheia de piedade e amor filial, cada vez mais premente, em favor dos súditos dos Estados Pontifícios que se tinham rebelado contra ele: "Santíssimo e dulcíssimo Pai em Nosso Senhor Jesus Cristo [...] Ó governador nosso, eu Vos digo que há muito tempo desejo ver-vos um homem viril e sem temor algum. [...] Não olheis para a nossa miséria, ingratidão e ignorância, nem para a perseguição de vossos filhos rebeldes. Ai! que a vossa benignidade e paciência vençam a malícia e a soberba deles. Tende misericórdia de tantas almas e corpos que morrem".5
Santidade que se exprime no espírito de Cruzada
Santa Catarina exorta o Papa Gregório XI a voltar a Roma - Obra de Sebastião Conca, séc. XVIII.
Ansiava ela pela pacificação da Cristandade para que, unidos, os cristãos se dispusessem a seguir em uma cruzada para libertar os Santos Lugares.
"Dois grandes pensamentos agitavam a alma de Catarina: a pacificação da Igreja, sua mãe querida, pela qual ela se sentia devorada de zelo e amor; depois, esse pensamento tão fecundo na Idade Média: a guerra santa das Cruzadas. [...] Ela via essa Cruzada, objeto de seus votos, recuar para bem longe em decorrência das discórdias que separavam os povos cristãos. - Foi talvez essa dor que consumiu sua vida".
"Ela implorou ao Papa Gregório XI que deixasse Avignon, reformasse o clero e a administração dos Estados Pontifícios, e empenhou-se ardentemente em seu grande desígnio de uma Cruzada, na esperança de unir as forças da Cristandade contra os infiéis e restaurar a paz na Itália, livrando-a de companhias [armadas] de mercenários que a assolavam".
Catarina censurou o Rei de França por guerrear contra cristãos e não empenhar-se na Cruzada: "Eu vos peço que sejais mais ativo para impedir tanto mal e ativar tanto bem, como é a recuperação da Terra Santa e daquelas almas infelizes que não participam do Sangue do Filho de Deus. Desta coisa deveríeis Vos envergonhar, vós e os outros senhores cristãos; porque é uma grande confusão diante dos homens e abominação diante de Deus fazer a guerra contra os irmãos e deixar [de lado] os inimigos; e querer tirar o que é dos outros e não reconquistar o que é seu. Eu vos digo da parte de Jesus Crucificado que não demoreis mais a fazer esta paz. Fazei a paz e fazei toda a guerra contra os infiéis".
Fim do "exílio de Avignon": fruto de seu zelo
Seu sucesso foi maior com relação ao fim do "exílio de Avignon". Com efeito, desde 1309, com Clemente V, o Papado havia sido transferido para aquela cidade francesa, de onde era dirigida toda a Cristandade. Já Santa Brígida, Rainha da Suécia, tentara em vão trazer o Papa de volta a Roma.
Em Avignon, diante dos cardeais, a intrépida Catarina ousou proclamar os vícios da corte pontifícia e pedir, em nome de Cristo Jesus, a reforma dos abusos.9 Gregório XI a chamava para dar sua opinião em pleno Consistório dos cardeais. Ela o convenceu a voltar para Roma. Apesar da oposição do Rei francês e de quase todo o Sacro Colégio, em 17 de janeiro de 1377 Gregório XI deixa Avignon. Ele ainda hesita no caminho, e ela o conjura a ir até o fim.
Mas a paz na Igreja não seria longa. Outra vez a república de Florença revoltou-se contra o Papa, que apelou para Catarina. Rejeitada por aquela cidade, a Santa quase foi martirizada. Por sua vez, Gregório XI, gasto, envelhecido, sofrido, não resiste e entrega sua alma a Deus.
Para ocupar o trono de São Pedro os cardeais elegem o Arcebispo de Bari, o qual toma o nome de Urbano VI. Conhecendo já Catarina e vendo nela o espírito de Deus, o novo Pontífice a chama para aconselhá-lo em Roma. E era muito necessário, pois alguns cardeais franceses, desgostosos da rigidez do novo Papa, voltam para Avignon, anulam a eleição de Urbano e elegem o antipapa Clemente VII. Inicia-se assim o chamado "Grande Cisma do Ocidente".
Catarina, através de cartas cheias de amor à Igreja e animadas pelo enérgico sentimento do dever, entrou em ação procurando ganhar reis e governantes da Europa para o verdadeiro Papa. Tentou inutilmente trazer de volta ao verdadeiro redil os três cardeais, autores principais do cisma. Catarina escreveu 150 cartas a cardeais, bispos e prelados, e 39 a Reis, Príncipes e governantes. À voz de Catarina de Siena, em favor do verdadeiro Pontífice, juntou-se a de outra Catarina, da Suécia, filha da grande Santa Brígida.
Angústia pelo futuro da Igreja
"As angústias que lhe causavam as revelações sobre o futuro da Igreja foram para Santa Catarina como uma paixão dolorosa. Ela clamava ao Senhor e pedia graça para essa Igreja, Esposa de seu Divino Filho. 'Tomai, ó meu Criador, este corpo que eu recebi de vossas mãos. Não perdoeis nem a carne, nem o sangue; rompei-o, lançai-o nas brasas ardentes; quebrai meus ossos, contanto que vos apraza ouvir-me em favor de vosso Vigário'".
Entre as coisas que Deus lhe revelava algumas eram sublimes, e outras, terríveis, como veremos abaixo. Ela pediu aos seus secretários que, assim que a vissem entrar em êxtase, anotassem suas palavras. Daí nasceu o livro do diálogo entre uma alma (a dela) e Deus, conhecido hoje em dia pelo nome de Diálogo.