Entre outras coisas, foi cozinheiro na Austrália e dirigiu um bar em Mali, numa acidentada vida. Foi quando voltou à França que começou a sentir um grande vazio em sua existência, que nem viagens nem experiências no mundo podiam preencher. Era esse um primeiro apelo da graça no interior de sua alma.
Contudo Misha, em vez de se abrir a ela, procurou preencher esse vazio dedicando-se ao xamanismo. Muito resumidamente, esse culto animista esotérico, consiste num conjunto de ritos e práticas, dirigidas pelo Xamã (feiticeiro) que, por meio da magia e contato com o mundo preternatural, obtém curas e outras vantagens para seus adeptos.
Parece inacreditável que o homem moderno seja capaz de fazer pactos com o demônio, pois é o que encontra nesse mundo preternatural. Dir-se-ia que ele considerava tudo isso como histórias de épocas de trevas, nas quais a ignorância e o atraso teriam levado alguns à ilusão de terem estabelecido um comércio com seres supostamente superiores aos homens, e a procurar deles aquilo que a ciência do tempo não lhes permitia alcançar por outros meios.
Dir-se-ia também que ele, já no terceiro milênio, não teria necessidade desse recurso, pois lhe bastariam a ciência e a técnica que, somadas ao seu trabalho, garantir-lhe-iam os elementos para a completa felicidade nesta Terra.
Essa concepção materialista é um pouco simplista, e contrasta com o que se passa diariamente sob nossos olhos pelo que vemos nas páginas dos jornais e noticiários de televisão, relatando crimes hediondos praticados com o fim de se conseguir de forças extranaturais uma vantagem para si próprio, para terceiros, ou um mal para o inimigo.
Por isso, na mesma época em que a ciência e a técnica parecem não ter limites para progredir, a imensa sensação de vazio espiritual que deixa sem sentido todo esse progresso, faz o homem voltar-se para as forças extranaturais mais frequentemente do que em épocas precedentes.
Foi o caminho que seguiu esse jovem incauto, tido como normal que, por uma curiosidade malsã, cedeu ao desejo de explorar esse mundo esotérico para procurar preencher o vazio de sua vida. Misha deveria saber que:
"Sempre que se procuram determinados efeitos por meios desproporcionados, os quais de nenhum modo podem conduzir ao resultado desejado, se confia, ao menos implicitamente, na atuação de 'forças misteriosas' para se obter esse resultado.
Como essas forças não vêm de Deus nem de seus anjos, só podem provir do espírito das trevas. E assim, a partir da superstição se chega facilmente, ainda que de forma não inteiramente consciente, ao recurso implícito ao demônio.
Em suma, o desejo de subjugar as 'forças superiores' e dessa maneira chegar a 'ser como deuses' (Gn 3,5), é o fundamento de toda a superstição e de toda a magia".
Pois sempre que se entra nesse mundo preternatural, acaba-se chegando cedo ou tarde, a ter um o recurso implícito com demônio.
"Como em todo contrato, cada parte [homem e demônio] procura atender os seus interesses. Se, de um lado, o espírito maligno aceita o acordo unicamente para o mal, a outra parte, o homem, poderá exigir que esse mal lhe traga alguma vantagem, ao menos subjetiva: dinheiro, honras, vingança, prazer; do contrário não haverá razão para haver acordo[…].
"É fácil, sobretudo para os cristãos, compreender que um pacto formal, um recurso explícito ao demônio, é contrário à lei de Deus. Mas o recurso implícito, mediante práticas supersticiosas, nem sempre aparece claramente como um recurso ao Maligno e choca menos o senso moral […].
"Em muitos casos, o homem se dá conta disso; porém, cego por suas paixões desregradas, já não cogita de averiguar a origem do resultado obtido: o que lhe interessa é alcançá-lo. Assim vai se acostumando aos poucos a ver o demônio não como o 'espírito do mal' que ele é, mas apenas como um 'ser poderoso', que ele pode utilizar a seu proveito, como uma espécie de divindade conivente com suas paixões, a quem convém cultuar"[i].
Foi assim que Misha, à medida que se precipitava mais profundamente nesse abismo, começou a ter contato com os "espíritos". Num curso de formação xamânica em 2005, ele conheceu, Letícia, com quem se casou.
Acontece que a graça de Deus como que perseguia esse casal. Na sua entrevista à revista francesa Famille Chrétienne, Misha diz que em determinado momento, tanto ele quanto a esposa, "cansados dos gurus", decidiram deixar tudo e se instalar em uma pequena cidade nos Alpes, dedicando-se a dirigir uma propriedade rural. Isso já não vai sem uma graça especial.
Os demônios, entretanto, não quiseram largar sua presa. Assim que, declara ele, "nesse momento um espírito com o qual havia estado em contato, regressou para me atormentar". Isso porque, quando o homem abre sua alma à ação do demônio, este facilmente exerce sobre ele a mais cruel e implacável tirania, da qual é muito difícil de se livrar.
Frequentemente, para isso, é preciso mesmo recorrer aos exorcismos da Igreja. Mas não foi o que sucedeu com Misha e sua esposa. Ainda sob o impulso de uma graça especial, "decidimos queimar tudo o que se relacionava com o esoterismo que tínhamos em casa, incluindo nossos amuletos, e nos fomos sem nada".
Ocorreu então o imprevisível. Ao sair de casa, Letícia percebeu que, sem se dar conta, ficara ainda com um amuleto. Este caiu no chão e se rompeu. E o que não podiam esperar, sucedeu: em seu interior encontraram uma Medalha Milagrosa!
Essa medalha que, pelo número de milagres obtidos mereceu ser chamada a "Milagrosa" por excelência, foi revelada a Santa Catarina Labouré em 1830, na Rue du Bac, em Paris. As primeiras medalhas foram cunhadas em 1832, e distribuídas naquela cidade. Foi tão extraordinário o número de graças obtidas por aqueles que a portavam no pescoço, que a medalha começou a se difundir por todo o mundo até os dias de hoje.
Pode-se supor o quanto marido e mulher ficaram impressionados com o achado, sobretudo com o que vinha escrito na medalha. Procuraram pesquisar e, "graças a isto, diz Letícia, descobrimos a capela da Rue de Bac, e nos enviaram medalhas já bentas. Começamos então a rezar todo o tempo: 'Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós'".
Um dia Misha ia se dirigindo a algum lugar em sua motocicleta recitando esta oração, quando diz que recebeu uma graça verdadeiramente mística: De repente, não sabe como, ele "encheu-se de amor a Maria". Ele descreve esse amor como sendo "gigantesco, humano e maternal", uma graça "sensacional".
Ainda sem saber qual o próximo passo a dar, o casal resolveu comprar uma Bíblia. Misha leu o Antigo Testamento, e Letícia o Novo. E juntos começaram a rezar.
O próximo passo foi procurar uma igreja. E assim o pároco de Bugarach, onde se tinha instalado a família nesse tempo, os ajudou muito nesse princípio de conversão. Misha afirma: "No esoterismo tudo se centra na vontade da pessoa, mas na Igreja aprendemos a fazer a vontade de Deus. Por isso gosto muito de Joana d'Arc: ajoelhava-se e rezava para fazer a vontade de Deus".
À medida em que se ia aprofundando no conhecimento da fé católica, cresceu na família o desejo do batismo, desejosos de se tornar parte da Igreja. Afirma Letícia: "Estava lendo o Ato dos Apóstolos com todos aqueles batizados massivos, espontâneos, era o que toda minha alma queria seguir". Finalmente Misha, Letícia e seus quatro filhos se batizaram em 2014.
Misha descobriu então o artesanato de madeira e a ele se dedicou, passando a confeccionar brinquedos "inteligentes"; primeiro para seus quatro filhos, depois, com o êxito na empresa, para a venda. Em 2016 comprou um antigo presbitério em Chalabre, reformou-o, e para ele se mudou com a família e atelier.
Sobre sua empresa, comenta um jornal da região: "Em meio ao mundo dos tablets e videogames digitais, ainda existem os jogos de construção em madeira que mantêm todo o seu charme e ainda estimulam as crianças.
Em Kercorb, em Chalabre, Misha Demidjuk é um daqueles inventores que colocam a cabeça para trabalhar em fabricar e comercializar produtos originais, no caso dele, um jogo artístico para crescer e rejuvenescer"[ii].
A conversão da família foi profunda. Eles passaram a viver segundo a vontade de Deus, inclusive no trabalho. Diz Misha: "Ponho meu trabalho em oração para deixar a porta aberta a Deus. Já sabe, o ora et labora".
Nestes tempos de pandemia, a fé dos Dmidjuk foi posta a prova, pois, como ocorreu com milhões de pessoas em todo o mundo, com o confinamento o atelier que tinham conseguido com tanto trabalho pôr em funcionamento, viu-se ameaçado de fechamento por falta de fregueses.
Misha prometeu então fabricar um ex-voto para dedicá-lo ao Sagrado Coração de Jesus em Paray-le-Monial — onde esse divino Coração manifestou a Santa Margarida Maria seu grande amor aos homens —, se conseguisse manter o atelier.
Publicou então um vídeo na internet apresentando seus brinquedos e objetos em madeira. A quantidade de pedidos que recebeu disparou como nunca, nem ele nem sua esposa tinham visto. A tal ponto que ultrapassou a capacidade do atelier atender a todos os pedidos.
Os esposos, agradecidos, então afirmam: "Seguiremos com as peregrinações, porque tudo o que nos passa está sempre firmado com a mão do Senhor". (Fonte: Agência Boa Imprensa https://www.abim.inf.br )