Santo Agostinho condena a fé sem as obras
A questão da fé e das obras tem sido um ponto central e, por vezes, controverso, na teologia cristã.

No seio da tradição católica, a doutrina sempre sustentou que a fé viva e verdadeira deve manifestar-se necessariamente em ações concretas de amor e caridade. Um dos maiores pilares desta compreensão é Santo Agostinho de Hipona (354–430 d.C.), Doutor da Igreja, cuja clareza doutrinária desfaz qualquer ilusão sobre uma salvação alcançada por uma mera "fé morta".
Agostinho, em sua pregação e escritos, firmemente condena a ideia de que a fé isolada, desprovida de frutos práticos, possa conduzir à vida eterna. Ele nos lembra que a fé é o alicerce da justificação, mas as obras são a sua edificação e prova de sua autenticidade.
A Fé Desacompanhada: Uma Contradição
O Bispo de Hipona aborda a relação intrínseca entre fé e obras, ecoando a Epístola de Tiago. Ele argumenta com veemência que uma fé que não produz obediência aos mandamentos e caridade é uma fé ineficaz.
Em um de seus sermões, Santo Agostinho questiona:
"Se, sem guardar os mandamentos, for possível alcançar à vida somente pela fé? e a fé, se não tiver obras é morta em si mesma, Tiago ii. 17, como pode ser verdade que o Senhor dirá aos tais que tiver posto à Sua mão esquerda Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos? Ele os repreende, não porque não tenham crido nEle, mas porque não tenham operado boas obras. Sim, para que ninguém prometa a si mesmo a vida eterna pela fé somente, (e a fé, se não tiver obras, está morta) o Senhor diz que Ele reunirá todas as nações, nações que viveram misturadas nos mesmos países, para que possamos parecer ouvir aqueles que realmente creram nEle, mas não têm operado boas obras, (como se sua fé morta pudesse, estando a sós, conduzi-los à vida eterna) para que possamos parecer ouvir tal clamor a Ele, Senhor, quando te vimos sofrendo tais e tais coisas, e não te ministramos?"
Agostinho foca no Evangelho de Mateus (Cap. 25), o famoso discurso do Juízo Final, onde a separação entre justos e condenados é feita estritamente com base nas obras de misericórdia realizadas (alimentar o faminto, vestir o nu, visitar o preso, etc.). O Senhor condena aqueles que não praticaram o bem, não aqueles que simplesmente não creram. A fé nominal é insuficiente; o que salva é a fé que age pelo amor (Gálatas $5:6$).
O Fogo Eterno e a Impossibilidade de Ilusão
O Doutor da Graça não permite atalhos ou interpretações que minimizem a seriedade da condenação. Ele refuta aqueles que buscam uma brecha na doutrina da punição eterna, tentando sugerir que, embora o fogo seja eterno, a permanência nele não seria.
"Nem ousamos dizer aqui aquilo pelo qual alguns se iludem, ou seja, que o fogo realmente é eterno, mas que eles não queimarão nele eternamente. Tais homens dizem que aqueles cuja fé está morta, passarão por aquele fogo eterno, e que eles são aqueles a quem é prometido que eles mesmos serão salvos, mas assim como pelo fogo. 1 Cor. iii. 15. De modo que, embora o próprio fogo seja eterno, a queima dos condenados nele, isto é, a obra do fogo sobre eles, não será eterna. Como se o Senhor estivesse respondendo isso de antemão, as últimas palavras de Seu Sermão são E estes irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna. Como o fogo, assim será o ardor; e a Verdade nos ordena que ali queimem, os quais não têm falta de fé, mas de boas obras."
A clareza de Agostinho é inequívoca: a eternidade do castigo e a eternidade da vida são postas lado a lado pelo próprio Cristo. Uma fé sem obras é, portanto, uma fé que condena, pois não cumpriu o requisito fundamental do amor ativo.
A Caridade como Medida Única
Agostinho prossegue, elevando a caridade acima de qualquer ato isolado:
"Se irão ao fogo eterno os que não fizeram obras de misericórdia, não irão os que tomaram os bens do próximo? Ou não hão de ir os que em si mesmos ultrajaram o templo de Deus, e assim foram impiedosos para consigo mesmos? Como se as obras de misericórdia pudessem aproveitar qualquer coisa sem amor, ao contrário das palavras do Apóstolo Embora EU conceda todos os meus bens para alimentar os pobres, e não tenha caridade, de nada me aproveita. 1 Cor. xiii. 3 . E que maneira de amor para o próximo tem aquele que o ama como a si mesmo e não ama a si mesmo? lembrando-se de que aquele que ama a iniqüidade aborrece a sua própria alma. Ps. x. 6 ."
O cerne da questão é o amor (caridade). Sem caridade, até mesmo as obras mais impressionantes (como dar todos os bens aos pobres) são vãs, como ensina São Paulo. A fé deve levar ao amor a Deus e ao próximo. Se o indivíduo não ama a si mesmo o suficiente para evitar a iniquidade e o pecado, como poderá amar verdadeiramente o seu próximo?
A Relevância na Época Atual
A condenação de Agostinho à fé estéril ressoa poderosamente no mundo contemporâneo. Vivemos na era da informação e da interconexão, onde as oportunidades de praticar a caridade são virtualmente ilimitadas.
As tragédias, a pobreza e as necessidades globais são transmitidas em tempo real nas telas de nossos smartphones.
Temos mais recursos, tecnologia e tempo livre (pelo menos em tese) do que em qualquer outro período da história.
No entanto, a resposta predominante, muitas vezes, é o comodismo e o individualismo. A sociedade moderna, mesmo entre os que se dizem cristãos, é frequentemente marcada por uma postura que Agostinho condenaria: uma fé intelectual e passiva, que se contenta em crer, mas não se sente compelida a agir.
A caridade é relegada a uma atividade secundária, opcional, ou delegada a organizações, enquanto o foco principal é a satisfação das necessidades e desejos individuais. A advertência de Santo Agostinho, firmemente enraizada no Catolicismo Tradicional, permanece como um espelho para a nossa alma: a fé sem as obras de misericórdia e amor é uma ilusão que arde no fogo eterno. É a fé que age que nos salva, pois é essa que prova a presença de Cristo em nós. (Redação: Vida e Fé Católica)





