Estímulos para incrementar a prática da Via Sacra
O uso mais antigo da palavra Estações (do latim stare, "estar ou permanecer de pé, fazendo uma parada ao longo do caminho"), aplicada aos costumeiros lugares de parada na Via Sacra em Jerusalém, ocorreu no relato de um peregrino inglês, William Wey, que visitou sucessivamente a Terra Santa em 1458 e em 1462, e que descreveu como era usual seguir os passos de Cristo em Sua dolorosa jornada.
Dependendo do guia ou do relato (ou texto) seguido, as propostas podiam ir de sete a 18 paradas, embora a mais habitual fosse de doze estações. No início do século XVI, Jean van Paesschen foi o primeiro a falar de 14 paradas ou estações, mas nem todas correspondem àquelas que conhecemos hoje.
O livro Jerusalem sicut Christi tempore floruit, escrito por Christiaan van Adrichem (†1585) ou Adrichomius e publicado em 1584, menciona 12 estações, as quais correspondem exatamente às 12 primeiras das nossas conhecidas Vias Sacras. Este fato leva alguns a concluir que essa é a origem da seleção autorizada posteriormente pela Igreja, sobretudo pelo fato de esse livro ter tido uma ampla circulação, sendo traduzido para várias línguas europeias. Não há certeza se foi assim ou não, pois até então nada estava definido e cada um organizava à sua maneira esses atos de piedade.
Houve uma evolução rumo a uma forma cada vez mais comum, até se chegar a uma espécie de reformulação das variantes anteriores. É quase certo que tal unificação não ocorreu em Jerusalém, porque depois da dominação turca não era mais permitido percorrer a Via Sacra detendo-se nos lugares tradicionais e dando ali alguma demonstração externa de veneração. A unificação deve ter acontecido na Espanha, no decorrer do século XVII, onde acabou tomando a forma em que a devoção chegou aos nossos dias.
A confirmação papal dessa prática de piedade veio na forma de indulgências, especialmente no século XVIII. Os franciscanos haviam solicitado indulgências para estimular essa devoção nas suas igrejas. Em 1694, o Papa Inocêncio XII confirmou algumas dessas indulgências para os franciscanos e os filiados à sua Ordem terceira. Um quarto de século depois, em 1726, Bento XIII estendeu os privilégios a todos os fiéis, ainda que não vinculados aos franciscanos. Posteriormente, em 1731, Clemente XII alargou-a ainda mais, concedendo indulgências a todas as igrejas, com a condição de que as figuras ou representações que marcassem as estações no interior do templo fossem sempre abençoadas por um religioso franciscano com a aprovação do bispo. Tais indicações foram confirmadas e avaliadas por Bento XIV em 1742.
Esta decisão de impor certas condições — seja às representações, em madeira na forma de cruz, que podiam ser acompanhadas de quadros pintados ou esculpidos nos quais se apresentava a cena evocada, seja à sequência delas, localizadas a certa distância uma da outra, para poder-se beneficiar das indulgências estipuladas — foi o que fixou definitivamente em 14 o número de estações, dispostas numa ordem precisa, desde a condenação de Jesus à morte até o Sepultamento.
"Porque pela vossa santa Cruz remiste o mundo"
Desde então surgiram inúmeros livrinhos com uma resenha de cada Estação. O conteúdo de tais formulários era extremamente variado: imprecações dolorosas, meditações, orações e até poesias. Muitos dos que foram impressos na Espanha incluíam a oração, seguida da jaculatória "Nós Vos adoramos, ó Cristo, e Vos bendizemos, porque pela vossa santa Cruz remiste o mundo", datada do século XVI e recomendada aos fiéis para o momento de entrarem na igreja ou de passarem diante de uma cruz.*
No século XVIII, dois grandes santos, ambos italianos, promoveram a devoção da Via Sacra: São Leonardo de Porto Maurício (1676-1751), franciscano, que a difundiu em suas missões, sermões e folhetos de piedade, e Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787), seu contemporâneo, fundador dos Redentoristas, instituto religioso que propagou a prática do Caminho da Cruz sobretudo nas missões populares.
Com relação aos episódios da Paixão de que se compõe a atual série de Estações, cumpre notar que muito poucos relatos medievais fazem menção à segunda (Jesus abraça a Cruz), ou à décima (Jesus é despido de suas vestes), enquanto outros, que foram abandonados (como o Ecce Homo, antes da condenação), aparecem em quase todas as suas listas iniciais, o que leva a confirmar a suposição de que nossas atuais estações são derivadas de manuais de devoção e não da prática da Via Sacra em Jerusalém.
As três quedas, não mencionadas nos Evangelhos, podem ter derivado das representações feitas em Nuremberg, no fim do século XV. Consistiam em sete estações, popularmente conhecidas como "as sete quedas", porque em cada uma delas Cristo era representado ora como realmente prostrado, ora caindo sob o peso da Cruz. Já seus imitadores colocaram Nosso Senhor em pé, nos encontros com a Santíssima Virgem, a Verônica, o Simão de Cirene e as mulheres de Jerusalém, e em apenas três cenas representam-No prostrado.
De qualquer forma, Christiaan van Adrichem (Adrichomius), que em seu já citado livro Jerusalem sicut Christi tempore floruit tentou uma reconstituição acadêmica da Via Crucis, incorporou as 12 primeiras estações atuais, incluindo as três quedas, no seu respectivo lugar. Seu livro foi traduzido em muitas línguas e contribuiu muito para divulgar a Via Sacra em toda a Igreja latina.
Devoção à relíquia do Véu de Verônica
Mais enigmático é o caso da Verônica. Segundo uma antiga tradição da Igreja, que não consta nos relatos evangélicos, uma mulher se comoveu ao ver Jesus carregando a cruz rumo ao Calvário e enxugou seu rosto com um véu, no qual ter-se-ia milagrosamente fixado sua imagem. A relíquia resultante, conhecida como o Véu de Verônica, teria sido levada a Roma.
No reinado do Papa João VII (705-708) construiu-se na antiga Basílica de São Pedro uma capela chamada Verônica, e a primeira menção ao véu data de 1011, com referência à nomeação de um guardião do tecido. No século XIII, o Véu da Verônica passou a ser exibido, especialmente durante uma procissão anual entre a basílica e o vizinho hospital do Santo Espírito. Em 1300 Bonifácio VIII inaugurou um primeiro jubileu da relíquia, a qual passou a figurar entre as mirabilia urbis (as maravilhas da cidade) para os peregrinos que visitavam Roma.
Depois do saque de Roma, em 1527, o precioso véu desapareceu. Na década de 1990, o sacerdote jesuíta Heinrich Pfeiffer levantou a hipótese de que se trata do mesmo véu venerado desde o século XVII num convento capuchinho de Manoppello, o qual possui uma semelhança impressionante com o rosto do Santo Sudário de Turim, só que em positivo, ao contrário desse último. Porém, essa imagem não teria sido impressa durante o percurso de Nosso Senhor até o Calvário, mas tratar-se-ia do véu visto por São João ao entrar no Sepulcro logo depois da Ressurreição.