Felipe Delgado Daza nasceu em Madri há 42 anos. É licenciado em Ciências Religiosas, professor de Religião Católica no ESO e no Bacharelado, e especialista em história moderna e contemporânea.

Pecado mortal e pecado venial

Muito leitores nos pedem orientações com relação aos significados dos termos pecado mortal e pecado venial, via de regra solicitando listas dos referidos pecados, isto é, uma relação enumerada que especifique quais são os mortais e quais os veniais, elencando um por um.
Alguns nos dão a nítida impressão de querer saber se determinados pecados são veniais simplesmente para que possam continuar a praticá-los, sem medo de perder a alma no Inferno...Entendemos que muito mais importante e bem mais útil do que listar e classificar os atos pecaminosos, um por um (até porque esta seria uma tarefa mais que complexa e incerta) é esclarecer o que define os pecados como mortais ou veniais. Nesta matéria, o realmente fundamental é saber discerni-los com clareza, já que àqueles que sabem discerni-los a partir daquilo que os define, fica de uma vez por todas esclarecida a questão.
O pecado é, entre outras coisas, uma falta contra a razão, contra a verdade e contra a consciência reta; é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego desordenado a algum bem, colocado antes ou à frente do próprio Deus, que é nosso Sumo Bem e o Doador de todos os bens.
O pecado fere a natureza do homem, seja por pensamento, palavra, ato,
omissão ou desejo contrário à Lei divina (cf. CIC §1849).Essa descrição do pecado talvez pareça dura para alguns, especialmente os mais
jovens. Será que até pensar pode ser pecado? E como é que somente desejar
alguma coisa é pecado? Quem é capaz de dominar completamente os desejos ocultos
de seu próprio coração? São perguntas válidas. Para respondê-las, antes de
tudo, é preciso entender que o pecado, para ser vencido, precisa ser
identificado e combatido já na sua raiz. Nosso Senhor Jesus Cristo diz:
Ouvistes que foi dito aos antigos: 'Não cometerás adultério'. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração. Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti, pois te é preferível que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no Inferno. (Mt 5, 27-29)
A Lei dos judeus mandava não adulterar. Este seria um pecado mortal. Mas vem Jesus, que consumou a Lei, e diz que apenas olhar com cobiça uma mulher já é pecado. Ora, cremos plenamente que Jesus veio para nos libertar, para nos livrar de um jugo pesado, para substituir a dureza da Lei pela suavidade da Graça e nos levar a trocar o caminho do medo pelo Caminho do Amor. Ele próprio assim o declarou, em diversas passagens ('meu jugo é suave e meu fardo é leve' [Mt 11,28ss]), e toda a Tradição cristã, juntamente com as Sagradas Escrituras, continuamente o confirmam; mas em certos momentos parece ficar a impressão de que as coisas são agora mais difíceis, já que a exigência aumentou. Será mesmo?
Ocorre que, a partir de Jesus Cristo, ser fiel a Deus e ganhar a Graça Divina deixou de depender de se observar uma coleção de preceitos, como muitos legalistas erradamente entendiam nos tempos do Antigo Testamento, e outros tantos ditos "cristãos" fazem hoje em dia. Não se trata de carregar uma lista do que "pode" e do que "não pode" debaixo do braço. A partir da vinda e do Sacrifício do Filho de Deus, não basta mais a observância externa, ritualista, superficial. Nos novos tempos da Nova e Eterna Aliança, é necessário aderir ao Evangelho de todo o coração e alma, porque os verdadeiros adoradores adoram em espírito e em verdade – e isso requer conversão total de vida.
Conversão é uma mudança radical ou total de direção. Metaforicamente falando, é uma inversão, uma virada de 180 graus. Se vínhamos avançando em determinado sentido, agora é preciso dar meia volta e caminhar no sentido oposto. Uma tal adesão, de todo coração, de todo entendimento e de toda a alma, não pode ser superficial. É preciso amar de fato a Deus sobre todas as coisas, e, assim, o próximo como a si mesmo. E quem ama a Deus mais do que tudo não tem como amar o pecado, que ofende a Deus e nos afasta dEle.
– Por isso é que não só o adultério é pecado, mas também o querer adulterar, o pensar, o consentir em imaginar isso. Quem está verdadeiramente bem decidido e mantém os pés firmes no Caminho não se distrai olhando para trás, menos ainda alimenta desejos secretos de caminhar na direção contrária. Ser verdadeiramente cristão, portanto, é algo completamente diferente de ser adepto de qualquer religião legalista ou superficial, que simplesmente observa frios rituais vazios e vive de falsas aparências. Ser cristão de fato é, em uma palavra, ser honesto na adesão ao Evangelho. É ser autêntico. A pessoa é cristã de verdade ou é uma caricatura de cristão (algo que, aliás, infelizmente, é o tipo mais comum); não há meio termo.Falando então do modo mais resumido possível, o pecado é uma ação contrária ao Amor de Deus – por uma escolha, uma decisão de livre vontade do indivíduo.
Assim como o ser humano é livre para amar, obedecer e praticar o bem, também é livre para odiar e desobedecer, e desobedecer até até às últimas consequências. Até a morte eterna. É uma liberdade radical do ser humano: a liberdade de escolha que Deus dá ao homem é ilimitada. Cabe-nos o poder da escolha, para o bem ou para o mal.
Os Céus e a Terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, amando ao Senhor teu Deus, dando ouvidos à sua Voz e unindo-te a Ele; pois Ele é a tua vida. (Dt 30,19-20)
É sabido também que existe uma grande variedade de pecados e, apesar de todos afastarem de Deus, estão separados em diferentes graus. As Sagradas Escrituras trazem várias listas e descrições. São Paulo Apóstolo, por exemplo, na Carta aos Gálatas fala das "obras da carne manifestas, as quais são: a prostituição, a impureza, a lascívia, a idolatria, a feitiçaria, as inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os partidos, as invejas, as bebedeiras, as orgias e coisas semelhantes a estas" (5,19-21).
É deste modo que os pecados cometidos pelos homens, conforme a sua gravidade, são divididos em mortais ou veniais. Por pecado venial entende-se aquele ato que não separa o homem totalmente de Deus, mas que fere a Comunhão com o Criador. Já o pecado mortal, por sua vez, atenta mais gravemente contra o Amor de Deus, desviando o ser humano de sua finalidade última e da Bem-aventurança, excluindo-o do estado de graça.
Segundo o Catecismo da Igreja Católica
É
pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena
consciência e de propósito deliberado. (...) A gravidade dos pecados é maior ou menor: um homicídio é mais
grave que um roubo. (...) Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com
plena consciência e total consentimento. Pressupõe o
conhecimento
do caráter pecaminoso do ato, da sua oposição à Lei de Deus. E implica também
um consentimento suficientemente deliberado para ser uma opção pessoal.
A ignorância simulada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o caráter voluntário do pecado. (...) O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal, é o mais grave. O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, tal como o próprio amor. Tem como consequência a perda da caridade e a privação da graça santificante, ou seja, do estado de graça. E se não for resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de Deus, originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no Inferno, uma vez que a nossa liberdade tem capacidade para fazer escolhas definitivas, irreversíveis. No entanto, embora nos seja possível julgar se um ato é, em si, uma falta grave, devemos confiar o juízo sobre as pessoas à justiça e à misericórdia de Deus." (CIC §1857 - §1861)
O pecado mortal, portanto, só acontece quando o indivíduo comete um delito contra Deus consciente dos requisitos descritos acima, e não somente pela matéria grave, isto é, a gravidade do ato em si. Uma pessoa sem formação moral e intelectual adequada e sem condições de adquiri-la, que pratica uma ação pecaminosa, pode ser isenta de culpa por se enquadrar no caso da chamada ignorância invencível. Por outro lado, existe também a ignorância afetada, quando a pessoa tinha condições de conhecer a verdade, mas por interesse próprio, simplesmente para poder pecar, preferiu não conhecê-la. Neste caso, o indivíduo peca ainda mais gravemente.
Na prática, quais os efeitos do pecado mortal sobre a pessoa que o comete? Como visto, a exclusão do Reino de Deus e a morte eterna no Inferno, já que a nossa liberdade é radical: temos até mesmo o poder de fazer opções para sempre, sem regresso. – Após esta vida entraremos na eternidade, libertos do fator tempo; no estado em que deixarmos este mundo, permaneceremos, em estado de graça ou não – unidos a Deus ou aos inimigos de Deus, numa realidade em que não há ontem nem haverá amanhã. Estaremos plena e perenemente com Deus ou separados d'Ele, sem tempo, sem mudança, sem variações.
E quanto aos pecados veniais? Seriam estes inofensivos, desprezíveis? Muitos entendem que apenas os pecados mortais devem ser prevenidos, evitados e confessados, imaginando que os pecados veniais não seriam importantes e/ou seriam perdoados "automaticamente". Essa linha de pensamento não corresponde à realidade, pois um pecado mortal muitas vezes é gerado por uma quantidade de pecados veniais cometidos antes. O pecado venial, embora pareça sem importância, é um passo que conduz ao abismo. Diz o livro do Eclesiástico: "Quem despreza as coisas pequenas, pouco a pouco cairá" (19,1). Aquele que despreocupadamente se entrega à prática dos pecados veniais, despreza as coisas pequenas. Pouco a pouco se dispõe a cair totalmente, até naufragar de vez nas águas pútridas do pecado mortal.
Um após outro, os pecados veniais levam o indivíduo ao abismo, que é o rompimento da amizade com Deus.
O homem não pode, enquanto está na carne, evitar todos os pecados, pelo menos os pecados leves. Mas esses pecados, que chamamos leves, não os consideres insignificantes; se os consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los! Um grande número de objetos leves faz uma grande massa; um grande número de gotas enche um rio; um grande número de grãos faz um montão. Qual é então a nossa esperança? Antes de tudo, a Confissão... (Santo. Agostinho, In epistulam Iohannis Parthos tractatus, 1, 6: PL 35, 1982)
Portanto, para evitar o rompimento da amizade com Deus, ou seja, evitar cometer um pecado grave, é preciso combater os chamados pecados veniais, os quais são como que passos em direção ao abismo. E muitos passos juntos percorrem quilômetros. Nesse sentido, o Sacramento da Confissão é o único remédio eficaz, que pode refrear essa triste caminhada ou íngreme descida, rumo ao abismo definitivo que chamamos Inferno.
Uma reflexão final: porque é tão difícil combater o inimigo de todos nós, o inimigo da vida e da humanidade, Satanás, com seus anjos? Se queremos seguir o Caminho, que é Jesus Cristo, e sermos fiéis a Deus, vivendo uma vida de bem-aventuranças e alcançarmos, por fim, a vida eterna, por que voltamos sempre a tropeçar, e nossos passos se desviam? A resposta é simples: é assim porque os demônios nos atacam com uma arma terrível e formidável: o prazer.
Sim. Via de regra, o pecado é prazeroso, e se não fosse não seria tão perigoso. Façamos uma brevíssima análise dos pecados capitais (que acabamos de estudar individualmente aqui): gula; luxúria; avareza; ira; inveja; preguiça; orgulho ou soberba. Todos eles capturam a pessoa humana, direta ou indiretamente, pelo prazer – seja o prazer de comer e beber (gula); o desejo do prazer desordenado do sexo (luxúria); o apego ao dinheiro e, consequentemente, aos inúmeros prazeres que nos pode proporcionar, inclusive o prazer de ter poder (avareza); seja na inveja do nosso próximo, que tem ou vive uma situação mais prazerosa que a nossa; na ira que invariavelmente explode quando algo ou alguém nos submete a uma situação de privação de algum prazer; seja o prazer de não fazer nada, sem ter nenhum compromisso (preguiça) ou o prazer egoísta de se sentir superior ao próximo (orgulho).O prazer escraviza. Uma vida em pecado é uma vida de escravidão. Uma velha canção popular perguntava: "Será que tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda?".
– Quanto mais escravizados, mais forte a sensação de "não posso fazer nada do que gosto". – Quanto mais nos tornamos realmente livres, porém, mais compreendemos o verdadeiro significado da palavra liberdade, tão distante de libertinagem.
O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se, mas não consegue destruir o senso moral até a raiz. (CIC §1865)
Entregar-se ao pecado é verdadeiramente o completo oposto de ser verdadeiramente livre. Os prazeres dos pecados parecem bons em certos momentos, mas duram pouco e, depois que acabam, o pecador continua, por um lado, o mesmo, e por outro, ainda pior: continua vazio, e um sempre pouco mais escravo. Claro e evidente que uma vida sem pecado não precisa ser, necessariamente, uma vida destituída dos prazeres deste mundo.
Não somos máquinas, e nossas mentes e almas precisam de descanso na hora certa. Pequenos prazeres e distrações, de vez em quando, são sem dúvida benéficos. Somos, sim, livres, e tudo nos é permitido, dentro daquilo que nos convém enquanto cristãos. "Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa alguma" (1Cor 6,12).
– A grande arte da alma livre é, justamente, aprender a não se deixar dominar por nada e nem por ninguém, porque deve obediência somente a Deus. Consta que certa vez um penitente perguntou ao santo Padre Pio de Pietrelcina como distinguir uma tentação de um pecado, e como se pode estar certo de que não pecou. E Padre Pio respondeu: "Como se distingue um burro de um homem? O burro tem de ser conduzido; o homem conduz a si próprio". (Fonte O Fiel Católico)
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