O legado de São Gregório Magno que a Igreja está deixando ir

05/09/2025

Hoje celebramos São Gregório Magno (c. 540 – 12 de março de 604), papa de 590 até sua morte em 604. Seu pontificado deixou marcas em muitas áreas: 

foi pastor em tempos difíceis, reformador da Igreja, promotor de missões e guia espiritual com seus escritos. Mas, de tudo o que fez, talvez o mais decisivo para a vida da Igreja tenha sido algo que hoje corre o risco de ser esquecido: unificar e dar estabilidade ao Cânon Romano, a grande oração eucarística da Missa. O Cânon não nasceu com Gregório. Suas raízes remontam aos primeiros anos do cristianismo romano; de fato, suas partes essenciais podem ter chegado com São Pedro de Jerusalém. No entanto, foi ele quem o estabeleceu formalmente para toda a Igreja Latina, para que permanecesse um patrimônio comum de sacerdotes e fiéis, e assim permaneceu praticamente inalterado até a introdução de novas orações eucarísticas em 1969.

A Oração que Molda a Fé

Na liturgia, nada é secundário. Cada palavra, cada silêncio, cada invocação tem um significado. Pode parecer secundário ou superficial recordar os primeiros mártires de Roma ou associar a Missa a figuras do Antigo Testamento como Abel, Abraão ou Melquisedeque. Mas, ao rezar estas palavras, a Igreja confessa a sua fé: que o sacrifício de Cristo está ligado a toda a história da salvação e que celebramos em comunhão com os santos de todos os tempos.

Por isso se diz que a lex orandi é a lex credendi: cremos naquilo que rezamos. E isto aplica-se não só aos fiéis, mas também — e especialmente — aos padres e bispos, cuja vida espiritual é forjada pelo que rezam todos os dias no altar.

O Esquecimento do Cânon

O preocupante é que hoje o Cânon Romano, que permaneceu vivo por quase dois mil anos, quase desapareceu de nossas paróquias. Desde a reforma litúrgica do Missal Romano de 1969, após o Concílio Vaticano II (1962-1965), a maioria dos padres recorre às Orações Eucarísticas II, III ou IV, mais curtas ou mais recentes, negligenciando efetivamente a oração que sustentou a Igreja por séculos.

E essa negligência é transversal: não faz distinção entre progressistas e conservadores. Basta assistir à missa solene de um bispo considerado conservador para ver que o Cânon também não é mais rezado ali. Leão XIV mal o utiliza. O resultado não é apenas a perda de continuidade com a tradição que nos unia em torno de uma oração comum, mas também uma fé ferida.

O Verdadeiro Debate

Talvez este seja o debate que mais nos deva preocupar. Não apenas o barulho gerado por freiras rebeldes, padres desorientados ou cardeais sedentos de poder. Tudo isso importa, mas, em última análise, é consequência de uma perda mais profunda: a perda da fé e da unidade, e essa unidade só se constrói por meio da oração. Se a Igreja se dispersa em sua forma de orar, também se dispersa em sua forma de crer e viver.

Recuperando o Essencial

As consequências dessa perda não são teóricas. Paralelamente a esse abandono, a Igreja tem testemunhado uma seca de vocações, um enfraquecimento do sentido do sagrado e uma maior dispersão. Esta não é a única causa, mas não podemos ignorar que a maneira como rezamos influencia profundamente a vida da Igreja.

Portanto, retornar ao Cânone Romano seria um primeiro passo para reorientar a Missa em sua essência: o sacrifício de Cristo, verdadeiramente presente no altar. Não se trata de nostalgia ou arqueologia litúrgica, mas sim de recuperar o que tem sido sua espinha dorsal por séculos.

São Gregório Magno compreendeu que estabelecer o Cânone não era um detalhe disciplinar, mas uma maneira de assegurar a unidade da fé ao longo do tempo. Hoje, recordando-o, vale a pena nos perguntarmos se não chegou a hora de fazer o mesmo: retornar ao Cânone Romano como a grande oração da Igreja, para redescobrir nele o cerne da nossa fé. (Fonte: INFOVATICANA)

Não é incomum ouvir o absurdo de que a fé impede o pleno desenvolvimento da capacidade de raciocínio.