Cristãos com o espírito de Nicéia

05/07/2025

Este ano marca o 1700º aniversário do Concílio de Niceia, 

o primeiro concílio ecumênico da Igreja, e o Papa Leão XIV anunciou que pretende viajar à Turquia, onde fica Niceia, para comemorar este grande evento.

Por Roberto de Mattei

Nicéia pode parecer um lugar e um tempo distantes, distantes das preocupações que nos afligem hoje. No entanto, tudo relacionado à história da Igreja deve ser sempre relevante para nós, pois está repleto de lições que não se perdem com o tempo. A internet pode nos absorver; lemos tudo, queremos saber tudo, mas devemos nos preocupar com o lugar que damos ao estudo da história da Igreja, da teologia e da filosofia cristã entre nossas ocupações. Sem cultivar esse estudo, a vida espiritual de um cristão jamais se desenvolverá; será meramente superficial e sentimental, fadada a definhar.

"Cristão" significa discípulo de Jesus Cristo, e como alguém pode ser discípulo de Jesus Cristo sem aprofundar seu conhecimento? Em seu primeiro discurso na Capela Sistina, em 9 de março, o Papa afirmou que Cristo deve ser proclamado ao mundo inteiro, não como uma espécie de super-homem, como às vezes é considerado, mas como o Cristo, o Filho do Deus vivo.

Foi no Concílio de Niceia — na verdade, nos quatro primeiros concílios da Igreja — que a verdadeira natureza de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, foi esclarecida pela promulgação das primeiras grandes verdades da fé. São Gregório Magno comparou os quatro primeiros concílios da Igreja aos quatro Evangelhos: "Confesso que venero os quatro primeiros concílios com a mesma devoção que os quatro livros dos Santos Evangelhos" (Epístola I, 24: PL 77, col. 478). Os quatro concílios aos quais ele se refere são os de Niceia (325), o Primeiro Concílio de Constantinopla (381), Éfeso (431) e Calcedônia (451). Neles, foram formulados os dogmas fundamentais da Igreja: a Trindade e as doutrinas cristológicas, bem como a doutrina igualmente importante da maternidade divina de Maria.

Os antitrinitarianos do século IV, seguidores do sacerdote Ário, negavam a divindade de Cristo. Eles sustentavam que somente o Pai era o único Deus verdadeiro. O Verbo, o intermediário entre Deus e o mundo, era, ao contrário, de uma substância diferente da divina. Contra eles, Niceia definiu o Verbo como o verdadeiro Filho de Deus, da mesma substância que o Pai e, portanto, verdadeiro Deus. A palavra consubstancial expressa a perfeita igualdade entre o Verbo e o Pai. O Concílio de Constantinopla confirmou o Credo Niceno e declarou que o Espírito Santo é verdadeiramente Deus, como o Filho e o Pai.

O Concílio de Éfeso afirmou, contra o herege Nestório, a maternidade divina de Maria e a verdadeira e substancial unidade dos elementos divino e humano de Cristo na unidade da Pessoa do Verbo, único sujeito a quem devem ser atribuídas as propriedades e operações de ambas as naturezas. Quando, em oposição a Nestório, o também herege Eutíquio procurou defender a unidade substancial de Cristo, a ponto de compreender que nela não havia apenas uma pessoa, mas também uma natureza, o Concílio de Calcedônia declarou que ambas as naturezas de Cristo estão unidas em uma só pessoa, embora diferenciadas; sem serem confundidas, transformadas ou alteradas.

Os quatro primeiros concílios da Igreja declararam que há um só Deus em três pessoas, e que Jesus Cristo, o Verbo Encarnado, possui duas naturezas, divina e humana, mas uma só Pessoa divina.

Quatro grandes verdades derivam desses mistérios:

1) Em primeiro lugar, a divindade de Jesus Cristo. Ele é Deus, a segunda das pessoas divinas. Ele é Deus desde a eternidade e assim será para sempre.

2) No entanto, Ele também é humano e, como todo ser humano, possui alma e corpo, mente, vontade e sentidos. Jesus Cristo possui todas as faculdades e qualidades humanas, pois, além da natureza divina, Ele possui uma natureza humana.

3) Terceiro, as duas naturezas de Jesus Cristo, a divina e a humana, estão unidas nEle sem confusão. Jesus Cristo é, ao mesmo tempo, Deus perfeito e homem perfeito.

4) Finalmente, na unidade da pessoa do Verbo, subsiste a união de Deus e do homem. Isso significa que a natureza humana de Cristo é absorvida pela pessoa divina. A natureza humana só pode ser impulsionada pelo divino, assim como o corpo de todo ser humano é incapaz de qualquer atividade que não se origine na alma.

Quem ignora essas verdades não pode se considerar cristão. Ser cristão significa ser feito à imagem de Jesus Cristo, formado e transformado por Cristo, receber vida dEle e, por meio dEle, crescer na vida divina.

O Padre Francesco Pollien, em seu precioso livro "Cristianismo Vissuto" (Edições Fiducia, Roma 2023), explica que não pode haver vida cristã sem a presença simultânea dos quatro traços que caracterizam Cristo: o elemento divino perfeito, o elemento humano perfeito, a união do divino com o humano e a aniquilação da independência humana diante de Deus.

O primeiro é o elemento divino: a primazia de Deus em nossas vidas. Se cremos nEle e compreendemos que Ele é Deus, devemos direcionar nossas vidas inteiramente para Ele e Sua glória, buscando constantemente aumentar a glória de Deus em nós.

O segundo é o elemento humano: devemos desenvolver corpo, coração e mente, direcionando-os para seu fim, que é Deus. Este elemento é modelado na natureza humana de Jesus Cristo, em quem tudo era perfeito desde o princípio. Para nós, ao contrário, a perfeição é a meta que devemos alcançar, investindo todo o nosso esforço nela.

O terceiro é a união dos elementos divino e humano pela graça, que infunde nossa alma com a vida divina. Sem a ação da graça que vivifica nossas faculdades humanas, nada de bom podemos fazer. Este elemento corresponde à união inconfundível das duas naturezas em Cristo, a humana e a divina.

Finalmente, o quarto elemento é a completa submissão do humano ao divino, da nossa vontade à de Deus, de modo que nos tornamos, por assim dizer, uma só pessoa, não a nossa, mas a de Jesus Cristo que vive em nós. É o que acontece em Cristo, cuja única pessoa é divina e que absorve ambas as naturezas.

Nossa vida cristã é uma semente que deve se desenvolver em direção à perfeição das quatro características que encontramos em Cristo. Este é o grande horizonte, o grande objetivo da alma cristã: um cristianismo vivido com força, viril, repleto de grandes paixões e sem nada de letárgico ou meloso. Assim, à pergunta de Jesus: "Quem vocês pensam que eu sou?", podemos responder com nossas palavras e nossas vidas como Simão Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16:13-20). (Fonte: Adelante La Fe)