As cinco decisões que de verdade esclarecerão o carisma de Leão XIV

22/06/2025

Desde os primeiros dias de seu pontificado, Leão XIV despertou a atenção — e, em muitos casos, a esperança — de muitos fiéis que anseiam pela restauração da ordem doutrinal e litúrgica na Igreja. 

A recuperação de símbolos externos tradicionalmente associados ao papado — a mozeta e a estola, o canto gregoriano em algumas celebrações, a imposição pessoal do pálio aos novos metropolitas, a reativação dos apartamentos papais e o uso estival de Castel Gandolfo — foram interpretados como cinco sinais de um retorno à tradição. No entanto, deve-se notar que tais gestos, embora simbolicamente significativos, não constituem uma mudança fundamental. Em última análise, o que definirá o caráter e a direção deste pontificado será o conteúdo doutrinal e disciplinar das decisões que virão. Cinco dessas questões candentes devem ser resolvidas nas próximas semanas.

Por Miguel Escrivá  

1. Doutrina da Fé: Continuidade ou Ruptura? 

A nomeação do Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé será, sem dúvida, uma das decisões mais reveladoras. A eventual ratificação do Cardeal Víctor Manuel Fernández, conhecido por seu fraco perfil teológico acadêmico e orientação claramente progressista, seria um sinal inequívoco de continuidade com a mudança doutrinária promovida durante o pontificado anterior. Por outro lado, a substituição por uma figura de maior prestígio acadêmico e doutrinário, fiel ao ensinamento constante da Igreja e respeitador da tradição, marcaria uma mudança providencial na governança da Igreja universal.

 2. Liturgia e Sacramentos: A Alma da Igreja 

A liturgia não é um aspecto decorativo, mas a manifestação visível da fé (lex orandi, lex credendi). O futuro do Cardeal Arthur Roche, atual Prefeito do Dicastério para o Culto Divino, que já passou da idade de aposentadoria, também será decisivo. Sua permanência, apesar da idade avançada (algo não descartado), prolongaria um curso que muitos fiéis consideram errático, restritivo em relação à tradição e frouxo em relação aos abusos litúrgicos. Uma substituição por alguém sensível à riqueza da tradição litúrgica, incluindo a forma extraordinária do rito romano, poderia corrigir anos de arbitrariedade e divisões. O uso do Missal de 1962 será livremente permitido? Os abusos litúrgicos generalizados serão coibidos? A saúde espiritual dos seminários, a fecundidade das vocações e a plena transmissão da fé dependem em grande parte disso.

3. Traditionis Custodes: Restaurando a Paz Litúrgica? 

Entre os documentos mais controversos do pontificado anterior, Traditionis Custodes ocupa um lugar de destaque. Ao contrário da exortação apostólica Amoris Laetitia ou da Declaração Fiducia Supplicans, que podem ser diplomaticamente qualificadas ou alteradas por meio de futuros documentos, homilias ou esclarecimentos pastorais, Traditionis Custodes é uma norma jurídica de aplicação restritiva, que resultou na virtual abolição do Summorum Pontificum de Bento XVI. Essa medida transformou a mera possibilidade de celebrar a Missa Tradicional em um feito pastoral heroico, exigindo autorizações quase impossíveis e colocando o clero sensível ao Cânon Romano e à profunda verdade e beleza da liturgia codificada por São Pio V em uma posição de injustificada suspeita eclesial.

 Qualquer ação de Leão XIV nessa área, seja revogando, modificando ou reafirmando essa norma, terá consequências profundas e duradouras. A mera disposição de "estudá-lo", como disse o Cardeal Burke, já é um passo à frente. Mas a necessidade de reforma é urgente: a vitalidade de comunidades que florescem em vocações e fidelidade merece ser acolhida, não punida.

4. A Crise Alemã: Tolerância ao Cisma? 

A Conferência Episcopal Alemã, de fato, colocou-se em uma posição de aberta desobediência a Roma. Eles pretendem criar uma comissão de leigos e bispos para emendar dogmas e o catecismo, e publicaram um documento sobre a bênção de casais homossexuais que constitui uma ruptura explícita com a fé católica. Essa situação não permite equidistância: ou se age com clareza doutrinária e autoridade pastoral, ou se comete uma omissão que pode levar a um cisma formal. A unidade eclesial exige misericórdia e disciplina, e o tempo para intervenção está se esgotando rapidamente. A falta de resposta será interpretada como cumplicidade com um modelo eclesial próximo de zero vocações. A destruição de vocações na Alemanha quebra todas as estatísticas, e a gestão eclesial parece um manual sobre como fazer a Igreja desaparecer. É esse o modelo?

 5. O Vale dos Caídos: A Profanação de uma Basílica Pontifícia 

O recente acordo para profanar o Vale dos Caídos — uma basílica pontifícia sob a jurisdição direta da Santa Sé — representa outro desafio que o Papa não pode ignorar. A Conferência Episcopal Espanhola, longe de se manifestar em defesa da Igreja e da comunidade beneditina ilegalmente invadida, apoiou os esforços do Cardeal José Cobo, que culminaram em um vergonhoso acordo secreto com o governo de Pedro Sánchez, um governo visceralmente anticatólico e profundamente desacreditado por seu radicalismo e múltiplos escândalos de corrupção.

A destituição e o exílio irregular do prior, Padre Cantera, contra a sua vontade e os votos beneditinos, por ordem política; a profanação da basílica para convertê-la num "museu da memória democrática" da esquerda checa, são um ultraje à história e aos mártires ali sepultados. Se Leão XIV deseja restaurar a dignidade eclesiástica, o silêncio diplomático e a virada de página não bastarão: será necessário agir com justiça. Talvez, perante um governo à beira do fim, seja melhor esperar, mas não há dúvida de que é preciso tomar medidas a nível eclesiástico para retificar a desgraça liderada por Cobo (e apoiada por uma assembleia morna de bispos que, com algumas honrosas exceções, permaneceram à margem). Um primeiro passo lógico e pastoralmente sensato poderia ser demitir o Cardeal Cobo das suas funções em Madrid e atribuir-lhe outro cargo menos comprometedor. Seria também uma forma de evitar que a incompetência do Cardeal de Madri como gestor na administração de sua diocese se refletisse na incompetência demonstrada no caso do Valle de los Caídos. A incapacidade de discernimento de Cobo é profundamente preocupante. Sem entrar em divergências doutrinárias, um cardeal à frente de uma sede tão significativa como Madri, sem capacidade de tomar decisões razoáveis, poderia se tornar uma fonte de escândalos públicos que a Igreja deve evitar. Nesta nova era, casos como o de Zanchetta devem fazer parte de um passado inesquecível.

Sinais externos são importantes, mas não suficientes. É nas decisões doutrinárias, litúrgicas, disciplinares e jurisdicionais que a alma de um pontificado verdadeiramente entra em jogo. Leão XIV tem agora a oportunidade — e a responsabilidade — de fazer a diferença com ações, não apenas com símbolos. Que o Espírito Santo lhe conceda a clareza, a coragem e a fidelidade que este momento histórico exige. (Fonte: INFOVATICANA)