A Eucaristia no IV Evangelho

12/12/2021

A questão discutida pelo Prof. José Luiz Gonzaga do Prado em seu artigo "A Eucaristia no quarto evangelho: . Significante e Significado" é sem dúvida interessante tanto do ponto de vista da liturgia quanto histórico. 

Ele observa que a comunidade joanina dava mais valor ao significado do que o significante. A observação veio, segundo ele, do fato do IV Evangelho a ter sido escrito depois dos outros Evangelhos e ainda posterior a primeira aos Coríntios. 

 A base principal é que no IV Evangelho é dado relevo ao Lava-pés, em vez de oferecer como base a partilha do pão.Nessa linha, nota-se que pode ter havido uma intenção prévia, querendo o autor voltar a humildade significado pelo Lava-pés, em contradição a Eucaristia que vinha sendo praticada de forma incorreta por algumas comunidades. É por exemplo o caso de (1Cor 1,26). E a "Ceia do Senhor" estava sendo ocasião para uns poucos ricos, letrados e bem-nascidos humilharem o grosso da comunidade, e os escravos, os pobres (1 Cor 11,22).

 Aquilo já não era mais a Ceia do Senhor. Ele lembra que celebrar a Ceia do Senhor é recordar sua morte humilhante, e assim é grande contradição os ricos dela se servirem para humilhar o que nada têm. Neste aspecto ele cita várias vezes as cartas paulinas onde já era detectado este fato entre as comunidades nascentes.

Há uma preocupação em mostrar que a Ceia do Senhor sem a humildade de nada vale. É lembrado inclusive os "Grandes Triunfos Eucarísticos" de Diamantina e de Vila Rica, verdadeiros desfiles de figurões, fatos que nada tem a ver com a verdadeira liturgia eucarística. E do mesmo modo que no passado, é muito provável que hoje continue havendo essa desvinculação do fato da Ceia do Senhor representar que Jesus morreu pelo homem. 

É algo ligado a humanidade, uma doação completa. Aquele que participa da Ceia do Senhor não deve querer fazer disso um ato externo, bonito, motivo de desfile ou demonstração de falsa religiosidade, mas sim no momento pessoal, exclusivo, o encontro entre o homem e seu Deus. Uma maneira magnífica que o senhor em sua infinita sabedoria encontrou para manter-se ao lado de seus seguidores até o final dos tempos.

O IV Evangelho é assim, um sinal de alerta, bem vindo para todos os tempos. É impossível haver desvinculação da Ceia do Senhor e a humildade. Já a explicação de Jesus aos judeus foi motivo de escândalo. Como é que esse homem vai nos dar a sua carne para comer? Mas a maneira apresentada é de forma simbólica, para que em seguida venha a explicação. É uma forma literária encontrada pelos Evangelistas para desenvolver explicações. Aí o autor se pergunta: Será que não nos temos preocupado mais em dar uma resposta aos judeus do que em descobrir o que significa comer a carne e beber o sangue? Explica que a teologia de João não está no como, mas no significado.

A questão de comer a carne, beber o sangue é ampliada de maneira magnífica pelo autor do trabalho antes mencionado e dá relevo a todo o entendimento que se deve ter em torno do assunto. Ele é o cordeiro que tira o pecado do mundo, é este "chupar o sangue". Há uma discussão de Jesus com os judeus, representantes da ordem deste mundo, na qual muito se fala em pecado, filiação diabólica em morte. Ela é colocada exatamente junto ao Tesouro do Templo, lugar onde Deus foi substituído pelo dinheiro, sua proposta de vida, pela ganância.

 "Todos os que vieram antes de mim os antigos dirigentes são assaltantes e ladrões... que vem para roubar, destruir. Eu vim para que tenham vida e tenham em plenitude".

Conclusão: a maneira sublime que Jesus encontrou para estar junto aos seus fiéis até o fim dos tempos foi esta transformação de um elemento tão simples que passa a ser verdadeiramente o corpo do Senhor embora continue sendo ao mesmo tempo pão. É um mistério insondável de Deus que ao homem só cabe a especulação e nunca o entendimento completo. Mas a regra básica para o recebimento desse pão que desceu do céu é que o fiel discípulo esteja limpo do pecado, ao menos arrependido de coração.

O IV Evangelho busca o equilíbrio ou um reforço como que a mencionar "Jesus não quer que o recebamos como um rei, mas depois não tenhamos humildade para com o nosso próximo. Assim Lava-pés, enquanto é a humildade que Jesus desejou transmitir é o equilíbrio contra a "pompa" que muitos procuram fazer na Eucaristia. O autor reafirma isso no final: estarão tão ansiosos pela oportunidade de colocar-se a serviço do povo, ajoelhar-se a seus pés sujos a fim de lavá-los, como anseiam pelo momento de presidir com poder uma Celebração Eucarística?